O Hardcore está em alta de novo ou sempre esteve?

Uma análise do momento atual de um dos gêneros mais agressivos do rock

O Hardcore está em alta de novo ou sempre esteve?

Fim de novembro de 2024 e o programa do Jimmy Kimmel dos Estados Unidos recebia a banda Knocked Loose, que nesse mesmo ano lançava seu álbum You Won't Go Before You're Supposed To. Em maio de 2024, Knocked Loose ganhou as manchetes ao ficar mais alto que Taylor Swift no Viral 50 US Chart do Spotify e até mesmo foi tocar no Coachella. 

No mesmo ano, a banda australiana Speed colabora com a FootLocker local para uma campanha realçando o Nike Air Max DN, novidade da multiesportiva. Nos Estados Unidos, o Scowl fazia parte do show de intervalo da Taco Bell. 

Em 2021, Code Orange e Power Trip eram indicadas para melhor performance de Metal nos Grammys. Em 2023 e 2024, bandas como I Shot Cyrus e Point of No Return anunciavam shows depois de sei lá quantos anos de hiato no Brasil. 

Com bandas fazendo collab com marcas esportivas e aparecendo em night shows famosos, o hardcore está em alta no mainstream de novo ou sempre esteve aí?

Em 2011, o site MetalSucks perguntava se o Hardcore era a nova trend indie que viria a seguir nos próximos anos e, bom, 13 anos depois, a gente avalia se realmente é a trend do momento. Para entender se o hardcore está em alta, é preciso avaliar seus pontos altos e baixos, qual foi seu ápice e onde ele esteve nesses anos todos de existência até chegarmos no que ele é hoje. 

Speed para a Footlocker Australia / Foto: Footllocker

O ápice do hardcore 

Se o hardcore teve início no fim dos anos 80 com o pensamento die-hard do Ian Mackaye do Minor Threat, Bad Brains, Black Flag e companhia, os anos 90 foram fundamentais para cravar sua existência no coração da juventude e explodir em grandes centro musicais ao redor do mundo. Certamente os Estados Unidos foram os que ligaram a luz da parada mas, assim como o punk, o gênero rodou o mundo e ficou forte em uma par de lugar. 

Com a música, a identidade também ficou bem forte, fazendo jovens se portarem e se vestirem de determinadas maneiras que traziam identificação e davam a cara daquele gênero associado à força, brutalidade, raiva e inconformismo. No geral era uma galera de camiseta de banda e roupa de atletismo, o que incluía tênis confortáveis. Junto do HC veio também a mentalidade PMA (Positive Mental Attitude) e geral entrou na pira de se cuidar, tanto física quanto mentalmente. Então fazer corrida de coturno não virava muito e os tênis de corrida entraram no guarda-roupa de geral do hardcore. 

Isso tudo fez com que os anos 90 fossem o auge da cena, movimentando pessoas, lugares, criando novos ícones, utilizando-se de uma linguagem própria e identitária, culminando em apropriações fashion e de estilo de vida. Muito dessa cena dos 90, principalmente de Nova Iorque, é mantida e copiada até hoje, com bandas que se baseiam nisso tudo para criar seu corre em pleno 2025. 

Em 1991, o Cro Mags era uma das principais bandas da cena, senão a maior de todas. 

Nas próximas décadas, o hardcore esteve aqui e ali, participando menos de fases importantes da música. Nos 2000, era o nu metal e o emo com Limp Bizkit, Linkin Park e My Chemical Romance. Depois, nos anos 10, uma chuva de bandas indie chegava para continuar o que era o "rock” no Mainstream, como Black Keys, Cage the Elephant e Kings of Leon. 

Existia aqui e ali uma banda que flertava com o hardcore fazendo mais sucesso, tipo o Deftones e o Korn, mas fora da cena mesmo, o HC não era a música favorita da molecada nas redes sociais e nos streamings de música. 

Mas um fato curioso na cena sempre foi o gatekeeping que os seus próprios membros sempre tiveram, procurando mantê-la pequena, hostil e auto-suficiente. Gostar de hardcore ia além de curtir a música: os membros das bandas e os fãs realmente viviam o lifestyle. 

E como está hoje?

Beleza, já deu pra sacar que o hardcore tem sua cena e vive forte dentro dos shows e festivais da sua própria galera. Mas é inegável o movimento que o gênero tem feito nos últimos anos, sendo mais popular entre jovens e trazendo de volta grandes bandas para fazerem shows no mundo todo. Aqui mesmo no Brasil a gente teve recentemente Descendents, Circle Jerks, Shelter, H20, Madball, Gorilla Biscuits e até o revival de bandas icônicas nacionais tipo o I Shot Cyrus e Point of No Return.

No Tik Tok e no instagram, bandas como Speed, Khubai Klan TX e Sanguisugabogg viram seus dias de glória em virais que ultrapassaram o gênero que fazem parte e rolaram em feeds diversos por aí, ampliando suas músicas e fazendo mais gente conhecer seus trampos. 

Mas o que furou a bolha mesmo e que, talvez, seja o maior expoente dessa geração atual de hardcore em alta é o Turnstile. A banda trouxe riffs pesados, mas em melodias cativantes para, até mesmo, um público mais leigo, exalando energia nos sons e nos refrões mais plausíveis para os ouvidos mais sensíveis. Mas não só no som o Turnstile chegou chegando, trazendo no visual também um apelo mais identitário com quem não precisa somente vestir preto e camisetas de banda para se identificar a um gênero musical: os caras se vestem com roupas de skate, cores diversas, bonés e tênis que estão na moda e isso tudo também fez com que mais pessoas se identificassem além do brutinho do fundo da classe. 

Turnstile no Hurricane Festival 2024

Conversando com o José Vinicius, ou Willis, que toca no Stomp, no Joker e no Big (e se bobear deve tocar em mais outras bandas), ele trouxe uma perspectiva interessante sobre a alta do hardcore através do Turnstile. Segundo ele: “O Turnstile não foi a primeira banda que teve contato com marca, com patrocínio, mas foi a primeira banda dessa geração pós 2000 a ter contato com artistas mainstream. Isso deixou os caras muito próximos do rolê indie-mainstream, porque eles têm contatos tipo Blood Orange, Tyler the Creator… Os caras estarem inseridos nessa bolha streetwear ajuda num lance de ser popular. Você vê um negão num mó vizu tocando baixo e você vê que a banda é boa. O visual da banda chama muito, os caras tem um contato muito grande com a cultura urbana e isso chama atenção”. 

Tudo bem, tudo isso pode fazer mais pessoas ouvirem, mas a energia do show e dos rolês é que faz elas ficarem, se quiserem. Mas com a internet e com as redes sociais, você não precisa somente ir nos shows e nas lojas de disco para conhecer bandas novas. Um click no Turnstile já te leva pra outras bandas parecidas e te abre caminhos dentro do hardcore. As camisetas você pode comprar online e ir no show nem é mais mesmo o único caminho que você vai conhecer como os caras são de verdade. 

Stomp no Festival Hardcore 2024

Outro fato importante dessa alta do hardcore hoje em dia pela internet é de que é muito mais fácil conhecer os ídolos e se identificar com seus lifestyles além da música em vídeos do Youtube, em posts nas redes sociais e em podcasts que tratam de coisas além do som. Então é muito mais fácil conhecer o vocalista da sua banda favorita hoje e se identificar com seus corres do que anos atrás que mal saía notícias sobre a cena nas mídias mais tradicionais. 

A audiência hoje não só ouve as músicas de seus artistas favoritos, mas também as usa para criar seus vídeos, suas trends e crescer junto desse conteúdo sonoro da banda. Então é comum que as pessoas conheçam músicas e as façam virar hits por vídeos de memes, histórias próprias e posts diversos nas redes sociais. O Sanguisugabogg, por exemplo, pode ter tido ótimas músicas nos últimos álbuns e feito a cabeça da cena que se encaixa, mas estourou a bolha em vídeos como esse

Tudo isso fez com que a cena estivesse mais diversa, juntando gêneros, gostos e até diferentes vertentes dentro do guarda-chuva HC. Numa mesma noite, variam os públicos, estilos de vocais e até o mosh pode ser diferente para cada banda. 

O Hardcore em alta soa como uma voz ou como um produto? 

Em um mundo em constante movimento, o punk e o hardcore acompanhou os tempos mais tenebrosos, mais cascudos e se colocou como gênero que sempre dialogou com as situações sócio-políticas de cada período. Segundo Rodrigo Lima, vocalista do Dead Fish, “o punk e o hardcore sempre discutiram muito mais pautas do que todos os gêneros de arte no mundo, para o bem ou para o mal”, e de fato sempre existiu na música barulhenta um espaço para protesto, desconto de raiva e até mesmo de se encontrar como indivíduo na sociedade. 

Conversando com o Willis, ele comenta que hoje existe uma geração que se propõe mais à inclusão de diferentes grupos dentro do mesmo rolê: “hoje em dia é um público muito mais diverso, garotada não-binária, trans, muito mais mina e são pessoas ativas na cena, não só veem um show e vão embora, mas mesmo que não toquem, está sempre nos rolês, agita, compartilha, faz arte, faz rolê junto”. 

“Vejo como uma evolução, mesmo. Acho que é um tópico atual, mas acho que é daí pra frente! Falo sempre que é a melhor geração, a geração mais diversa, a geração que vejo mais pessoas no mesmo barco, por mais que sejam de vários lugares, classes sociais etc, vejo uma união. Existe espaço pra todo mundo dentro dessa cena. Acho que as pessoas entenderam que é um lugar para extravasar, ter raiva e às vezes vai ser violento mesmo. Inclusive acho que essa geração entende muito mais o que está acontecendo ali!”

E o Rodrigo Lima corrobora isso, mas alerta: 

“Estamos sim mais inclusivos, mais cientes, mais atentos e estamos buscando essa inclusão e diversidade. Lembrando que inclusão e diversidade também podem vender produtos e vender ansiolíticos.”

E, na ânsia de buscar uma resposta para a pergunta inicial do texto, a gente cai em outro questionamento: se está realmente em alta, está sendo então cooptado pela lógica capitalista de ciclos de consumo? Da mesma forma que começamos o texto falando de bandas que furaram a bolha, não seria essa uma lógica de consumo que o capitalismo propõe? Mas, leitor, se me permite a quebra de quarta parede, prefiro acreditar que o mercado precisa mais de subculturas do que as subculturas precisam do mercado. Tudo bem dá para se beneficiar dessas oportunidades, mas já vimos nesse artigo que a cena vive, de uma forma ou de outra, sem necessariamente a ajuda de grandes agentes de capital. 

Se tudo é cíclico, a alta do hardcore também parece ser. Parece seguir os caminhos parecidos de outras cenas e permitir a longevidade somente para aqueles que realmente foram capturados por seu espírito. O Rodrigo completa: “Tem umas máximas que se repetem. Tem a coisa do estar destacado ou não, agir com senso de coletividade e/ou aproveitar oportunidades, o paradoxo de estar vivo e de estar em uma sociedade capitalista e liberal. Vamos viver milhões de paradoxos dentro dessa sociedade de consumo que a gente vive. 

O hardcore de depois pode sair muito mais potente se essa geração se permitir errar bastante. Definitivamente, se está em alta, ela não dura, é cíclico, é capitalismo, é consumo. Se durar muito, as pessoas podem entender e isso não é o que o capitalismo quer.”


ISMO
Cultura em movimento

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