nabru: Desenredo e o que vem a seguir

Um papo sobre a turnê de lançamento do disco e os aprendizados que vieram com ela

nabru: Desenredo e o que vem a seguir
Detalhe da capa de Desenredo (por @pedefeijoao)

Desenredo é o primeiro álbum de estúdio da nabru, artista mineira que reside em São Paulo e vem consolidando o seu lugar na cena do rap underground. Lançado em Novembro de 2024, o disco foi produzido pelo Gvtx e conta com um grande time de beatmakers, com CIANO, SonoTWS, Ericbeatz, cjr beatz, Devaneio beatz, gust e Fomori, além de feats com Alra Alves, Matheus Coringa e Bonsai.

O disco foi um dos grandes lançamentos do ano passado, chegando na reta final como um respiro para quem sentia falta de um bom álbum de rap. Bruna Helena é também estudante de Letras na USP e teve que conciliar os estudos com a produção do disco, que simboliza o fim de um grande ciclo que se iniciou em 2019 com Marquises e Jardins.

nabru esteve nesses últimos meses fazendo a turnê de lançamento de Desenredo, que se encerrou no mês passado em São Paulo. Sentamos pra bater um papo e entender como foi esse processo de lançamento e recepção do álbum e o que fica de aprendizado com tudo isso.


Desenredo é um projeto grande e muito importante pra você. Como foi olhar para o disco pronto e ver o resultado? 

[Risos] Isso é engraçado porque eu lembrei da cena de quando eu ouvi ele no Google Drive, que eu caí de joelhos e comecei a chorar! Mas tipo num negócio meio de prece assim, e aí eu entreguei ele na mão de Deus, no sentido que ele não ia mais ser meu, e que aquilo não me pertencia mais. Aí foi meio essa sensação, acho que talvez parecido com um parto né, menos doloroso em um ponto e mais doloroso em outro, não sei porque nunca pari, mas acho que deve ser parecido com isso, tá ligado?

Bastante sobre a sensação de estar deixando alguma coisa pro mundo?

É! E que agora todo mundo ia conhecer aquilo, tipo, todo mundo vai saber o que que pega sobre essas questões, o que eu penso sobre outras paradas, sobre mim mesma, e eram coisas que eu não tinha falado ainda. Então acho que foi isso, eu tava entregando, não era mais meu a partir dali, e nunca mais foi mesmo.

Eu até tive uma brisa de que, quando fui pra BH a primeira vez depois que saiu Desenredo, o primeiro álbum que eu tinha que ouvir lá era Desenredo. E eu não consegui me conectar com ele. Primeiro que eu não ouço minhas próprias músicas, nunca, não sei porque eu achei que seria legal fazer isso [risos], mas quando eu comecei a ouvir eu olhava pra cidade e pensava: “mano nem pá, tipo assim, já não é isso”. Eu senti Belo Horizonte ali em Desenredo igual eu senti São Paulo ali em Desenredo. E aí eu não consegui sentir muita coisa ali depois que já tava no Spotify — eu só senti antes, enquanto eu tava fazendo — então foi realmente como se ele não me pertencesse mais, tá ligado, acho que foi essa a sensação.

Capa de Desenredo (por @pedefeijoao)

E depois teve a tour do disco, que se encerrou no mês passado em São Paulo, como foram esses últimos meses pra você? 

Cara, eu acho que o show de encerramento da turnê foi o que eu mais senti as coisas. Porque nos outros eu tava sempre muito nervosa, e aí no de São Paulo eu fiz a mesma coisa que fiz com o álbum, eu abandonei, assim — vai ser o que tiver que ser e qualquer coisa vai ser lucro, se ninguém for tá ok, nos outros eu tava muito nervosa então eu não consegui entender.

Então foi como se subir no palco em São Paulo me tivesse feito entender absolutamente tudo. E aí foi a primeira vez que eu vi o tamanho de Desenredo de fato, porque números não dão o tamanho das coisas.

Mas eu visitei cidades — todas elas que já tinha ido, menos Campinas — e foi louco revisitar, rever algumas pessoas, ver novas pessoas, entender o que mudou. E enfim, acho que em cada uma das cidades eu fui aprendendo algum tipo de lição, agora não lembro todas exatamente, mas eu aprendi várias coisas, acho que fiquei grandona, adulta, foi tipo fazer 18 anos na real. O lançamento de Desenredo foi tipo fazer 15, mas a turnê foi tipo fazer 18 tá ligado, tipo definitivamente [risos].

E a escolha de começar em Belo Horizonte e acabar em São Paulo foi intencional?

O plano não era esse, era acabar em Curitiba, e a vida quis assim, então acabou em São Paulo, e acho que era o que tinha que ter acontecido. E aí foi bem louco, bem louco mesmo. Eu fiquei muito feliz, ainda mais na Casa Rockambole, que eu tinha ido algumas vezes pra ver pessoas que eu admirava, e não tinha pensado em cantar lá nenhuma dessas vezes, não sei porquê. E aí aconteceu e foi bem louco, subir no mesmo palco, tipo do Vandal, que é um cara que pra mim é a mais, que eu admiro muito, é um dos poucos manos do rap que eu me considero fã, às vezes o único [risos]. Então foi bem louco, não no sentido de comparação, mas no sentido de poder me enxergar igual eu enxergo as pessoas que eu admiro, é tipo uma auto-admiração né? 

Acho que o show de São Paulo eu já tava um pouco mais calejada, porque dá muito trabalho fazer uma turnê independente, fazer as coisas sozinha. Então no show de São Paulo eu tava calejada, e aí eu consegui ver em detalhes tudo que tava acontecendo. 

No de BH por exemplo eu não tenho muitas lembranças, de nada enquanto tava em cima do palco, eu só lembro da sensação, e o de São Paulo eu lembro bastante coisa. E agora isso abre uma nova era, com outro show, em outro formato, então acho que foi importante, não só pra mim, mas pra equipe, pro Gvtx, pra todo mundo.

Como esses shows se relacionam com o álbum? Eles o completam de alguma forma? São uma celebração?

A celebração, sem dúvidas nenhuma. Inclusive porque todo mundo que foi convidado pras lines são pessoas que eu admiro e trato como família e amigos, então todos tavam dotados de serem pessoas que eu queria que comemorassem junto comigo. Então foi de fato uma celebração, uma grande celebração, mas ainda bem que passou também porque eu tou cansada! [risos].

Você tem a sensação de estar construindo algo grandioso? No sentido da cena que se cria, movimentações, qualidade do trampo… Queria saber como você enxerga isso.

Eu tô só nas ondas do que os meninos falam, sabe? A opinião que o CIANO dá sobre isso, que o Gvtx dá sobre isso, que o VMA dá sobre isso, e eu não penso muito necessariamente nisso, mas eu tenho consciência, tá ligado? E espero conseguir ser responsável o suficiente com a confiança dos meus amigos e do público.

Mas eu tento não fritar tanto nisso pra eu não ficar ansiosa, porque muita gente acha que eu sou arrogante, imagina se eu acreditasse nessas coisas, eu ia ser mais [risos]. E aí eu tento não acreditar cegamente nisso, na minha importância.

Mas eu percebo que tem pessoas que veem mais e tem pessoas que acreditam muito nas coisas que eu falo, às vezes até como se elas fossem verdades absolutas, coisa tal que não existe, tá ligado, com exceção de algumas outras, mas a maioria dessas verdades absolutas são verdades pra alguém e não são pra outro, né?

Eu sei do peso disso, então eu tenho calculado o que eu vou fazer, o que eu vou postar, quem eu vou indicar, porque eu percebo que as pessoas escutam mesmo né, não só as músicas, mas as coisas que eu falo e que eu faço, e as roupas que eu visto, e isso é meio assustador, mas é aquele bagulho né: o amigo da vizinhança [risos], com grandes poderes vem grandes responsabilidades, então é meio isso.

Quando você diz que o disco simboliza o fim de um ciclo, o que isso significa?

A resposta na real é bem simples: só significa que eu mudei, eu, eu mesma, Bruna Helena. Parte dessa mudança é algo novo, e parte dessa mudança é o reencontro com algo velho, mas dos dois lados eu mudei, então tipo, é só isso que significa, o encerramento de ciclo é meu, não é de mais ninguém. E pras outras pessoas, o próximo trampo vai ser só mais o próximo trampo, e eu não sei se muda necessariamente uma era, e eu acho que só vai dar pra saber daqui 10 anos quando a gente olhar pra discografia e conseguir ver se muda, né? Tipo, Star Wars Lucasfilms e Star Wars Disney, tá ligado? [risos]. Se vai mudar ou não, a gente só vai saber daqui uma década, pelo menos. 

Mas eu acho que é isso assim, só eu que mudei, as outras coisas são só as outras coisas mesmo.

E o que você vê do futuro? O que vem a partir de agora?

Ah, e eu espero pelo menos conseguir minimamente viver bem disso. Graças a Deus eu já posso chamar isso de trabalho, mas eu acho que, enfim, as vezes não trabalhar é daora também, então tipo, eu to trabalhando pra não trabalhar, e aí eu acho que é isso que eu vejo pro futuro, o resto acho que é prepotência, e tipo eu preciso pagar pra ver, sabe? Eu sempre fui uma pessoa com muita ansiedade de planejamento de futuro, e acho que esse processo de Desenredo, e o da turnê principalmente, me ensinou a não ficar fritando tão na frente assim.

Enfim, agora nós vamos finalizar o Marquises vol.2, e aí nós vamos fazer mais show, e as coisas vão acontecer, e um passo de cada vez, sabe? E eu preciso definitivamente fazer uma poupança senão não vou aposentar [risos] e de resto é isso tá ligado?


ISMO
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