Imagem, solado e manobra: a tríade cultural que sustenta o skate moderno
A partir da colab entre a Vans e Atiba Jefferson, uma viagem pela estética que molda o skate contemporâneo
Recentemente, a Vans lançou mais uma de suas colaborações com Atiba Jefferson. A coleção "United Through Skateboarding" inclui modelos como o Style 36+, Half Cab Wafflecup e Old Skool 36+, com palmilhas ilustradas por fotos icônicas, cores vibrantes e tecnologias de performance. Mas o que torna essa colab particularmente relevante é menos o produto e mais o que ele representa: a relação histórica entre skate, imagem e linguagem visual.



A cultura sneaker, muitas vezes entendida como um fenômeno de mercado ou estilo, ganha outra camada quando analisada pelo viés da documentação. No skate, o tênis é ferramenta, identidade e arquivo, e quando esse objeto carrega, literalmente, uma fotografia em sua base, ele se torna também manifestação simbólica. Aqui, partimos da parceria entre Vans e Atiba para examinar como a fotografia se tornou parte fundamental da linguagem do skate, influenciando a estética, o pertencimento e a memória de uma cultura que sempre foi mais vivida do que exibida.
A coleção como linguagem
A campanha "United Through Skateboarding" funciona como uma afirmação de que o skate não se constrói só com manobra: imagem, memória e conexões formam o alicerce. A coleção inteira forma um mosaico visual que homenageia a trajetória de quem sempre esteve por trás da lente. A colorway "Solar", que cobre o Style 36+, é um laranja vibrante, pensada por Atiba em referência a suas escolhas estéticas e à forte presença visual da coleção. Segundo o próprio fotógrafo, a cor remete à energia criativa por trás de seu trabalho e à influência que o skate teve em sua formação artística.


A imagem como pilar
Antes da internet, era nas revistas que o skate acontecia e uma foto podia transformar um nome desconhecido em referência mundial. Quem apertava o obturador decidia mais do que parece: escolhia o que seria lembrado. A lente olho de peixe exagerava proporções, colocava o espectador dentro da cena. Esse enquadramento virou estilo e Atiba Jefferson esteve no centro dessa transformação. Desde os anos 1990, ele traduz a rua em narrativa visual, com olhar preciso e respeito pelo gesto.





Tony Hawk, Eric Koston, Kareen Campbell, Andrew Reynolds e Tyshawn Jones pelas lentes de Atiba
Atiba, que dominou a fotografia analógica antes da transição para o digital, mantém até hoje a fidelidade ao momento vivido. Fotografou Tony Hawk, John Cardiel, Kobe Bryant, Pharrell, mas nunca como celebridades e sempre como partes da cena. Seu olhar é afetivo e próximo, estando nos bastidores, nas bordas, nas calçadas. Suas imagens não apenas registram, elas constroem.
O tênis como arquivo vivo
O Style 36+ é um artefato com memória, muito além de produto assinado simplesmente. A palmilha traz uma foto de John Cardiel em ação, clicada por Atiba, como narrativa. Colocar essa imagem onde o pé toca o chão é um gesto simbólico; é dizer que a base da caminhada é feita de história.



Foto icônica de John Cardiel tirada por Atiba diretamente dos anos 90 para sua coleção com a Vans
Os materiais também não estão ali por acaso: DuraCap™ (camadas reforçadas de borracha e tecido nas áreas de maior desgaste, projetadas para aumentar a durabilidade do cabedal), SickStick™ (borracha de alta tração desenvolvida pela Vans para oferecer aderência superior na lixa) e PopCush™ (entressola de espuma com retorno rápido e absorção de impacto que reduz a fadiga e protege as articulações durante o uso prolongado). Testado na rua, pensado para durar, pronto para registrar mais.

No mesmo movimento, o Half Cab Wafflecup traz uma inovação técnica: é a primeira vez que a silhueta recebe a entressola WaffleCup™, oferecendo combinação de conforto, estabilidade e resposta rápida e aparecendo como evolução funcional dentro da estética da coleção.
Outro modelo que se destaca é o Curren Caples: na colorway “Emerald Green” e com design que incorpora assinatura visual de Atiba Jefferson, ele complementa a coleção expandindo o diálogo entre estilo, performance e arquivo.

Referências e legado
A relação entre skate e imagem é longa, profunda e cheia de nuances. No final dos anos 1980 e ao longo da década de 1990, revistas como Thrasher e Transworld Skateboarding não apenas documentavam o skate: moldavam sua identidade visual. Cada imagem publicada validava estilos, crews, cidades e técnicas. A fotografia virou linguagem própria, com estética crua, enquadramentos ousados e luz natural. Foi a câmera que transformou o concreto em memória.
Fotógrafos como Mike Blabac (que foi peça-chave na construção da linguagem visual da DC Shoes) ajudaram a transformar marcas em ícones culturais. Suas fotos não eram apenas comerciais, eram editoriais vivos. Giovanni Reda retratou Nova York com humor, ironia e um olhar atento às margens. Ari Marcopoulos, por sua vez, levou a linguagem do skate para dentro das galerias e da arte contemporânea, colaborando com marcas como a adidas e expondo em museus como o MoMA PS1.
Hoje, há fotógrafos como Zorah Olivia, Ed Templeton e Pep Kim, que continuam expandindo esse repertório visual, mesclando técnicas clássicas e experimentações digitais. A fotografia no skate segue sendo feita de presença, de proximidade. A câmera não tem como observar de fora, ela precisa participar. E por isso ela amplia, traduz e compartilha.
Conheça mais sobre a história e legado do Atiba nesse episódio de Epicly Later'd
Na colaboração com Atiba, a Vans presta homenagem ao legado fotográfico do skate, além de o incorporar de forma estruturante. A imagem não aparece como ornamento, mas como elo narrativo. Atiba não está representado por uma assinatura: ele está presente nas escolhas visuais, nos materiais e nas histórias que cada par carrega. Seus registros viram textura, contexto e símbolo. Cada modelo da coleção conecta, de maneira direta, performance, linguagem e cultura. É nesse cruzamento que o tênis deixa de ser acessório e se torna testemunho.
Imagem é cultura
A colaboração entre Vans e Atiba Jefferson é uma celebração da imagem como parte fundadora do skate. Um manifesto visual sobre quem documenta a cultura com verdade e continuidade. Em um tempo em que tanta gente tenta parecer parte da cena, esse tênis deixa claro que tem gente que sempre esteve nela. E essa presença, quando registrada, vira linguagem. Vira arquivo. Vira cultura em movimento.
Afinal, o que é o skate senão a busca por um instante perfeito, aquele segundo de suspensão entre a gravidade e o improviso? E o que é a fotografia senão a arte de congelar esse instante? Essa colab responde com precisão e celebra quem está na rua, quem vive a cultura e quem a registra.
