Gabriela Grafolin - O clipe ainda é muito importante na música
A diretora brasileira vem colocando sua identidade em clipes que desafiam o algoritmo

Gabriela Grafolin fez uma transição dos sonhos para muita gente criativa: veio do design gráfico tradicional em agências e foi ganhar seu espaço na direção criativa de artistas da música. Ela já trampou com Giana, Manny Moura, Lucas Inutilismo e, na sua direção mais frequente, com Carol Biazin, tem clipes que ultrapassam os milhões de views no Youtube.
A gente sentou pra bater um papo com ela, falar sobre a transição de carreira que ela teve nos últimos anos, as dores e as delícias de trabalhar com o visual na música, sobre algoritmo e muito mais. Com toda certeza, a Gabriela é um nome pra se ter no radar e ficar ligado no que vem a seguir.
Salve Gabi! Te conheci trabalhando juntos e na época você era designer. Alguns anos depois, onde você está com seus trampos agora?
Salve! Nossa, quanta coisa mudou desde então. Desde que a gente parou de trabalhar junto, lá por 2021, comecei a focar de vez na direção criativa de artistas e de lá pra cá não parei mais. Hoje estou morando em Los Angeles e sigo mergulhada nesse universo, principalmente no musical.
Tenho trabalhado no desenvolvimento de identidade visual 360 para artistas, clipes, estratégias de lançamento como diretora de filme/clipe de música. Saí da execução gráfica para entrar mais fundo no conceito e na criação de mundos mesmo, é onde eu me vejo, onde as ideias ganham corpo de verdade.
Tenho acompanhado seus trampos relacionados à música, direção criativa de clipes e afins. Como surgiu essa oportunidade ir pro lado musical e dirigir artistas visualmente?
Tudo começou meio orgânico. Sempre fui muito conectada com música, e trabalhando como diretora criativa de campanhas, acabei me aproximando de artistas e entendendo que podia contribuir visualmente com o trabalho deles também. Meu primeiro trabalho nessa virada foi na TAG Music, onde tive a chance de ser diretora criativa dos artistas da empresa.
A primeira artista que trabalhei foi a Carolzinha (da dupla 'Carol & Vitória'), que hoje compõe pra nomes como Anitta, Pedro Sampaio e Luísa Sonza. Mas quem eu me aprofundei mesmo e firmei uma parceria por mais de três anos foi a Carol Biazin. Essa oportunidade foi um divisor de águas pra mim. Dirigi projetos importantes da carreira dela, como o álbum “REVERSA” — que foi o nosso primeiro trabalho juntas — e ali pude refazer de certa forma todo o branding dela, trazendo uma nova imagem, interpretação, storytelling e posicionamento visual na carreira.

Você hoje está em Los Angeles. Está aí por conta de trampo, por causa dos clipes?
Sim! Vim pra cá pra expandir meu olhar mesmo e entender como o mercado funciona fora do Brasil. Lá eu já tinha uma base legal, mas senti que aqui teria mais espaço pra testar coisas novas, fazer contatos e crescer profissionalmente. A transição foi puxada, claro — nova cidade, outro ritmo — mas era um passo que eu precisava dar pra continuar evoluindo. E desde então tem sido um super desafio, mas tá valendo muito a pena.
Toda a estrutura aqui é muito diferente do Brasil, as funções de alguns cargos mudam completamente, além das expectativas. Los Angeles é uma grande marca pra essa indústria, então a concorrência é inevitavelmente maior. Mas aos poucos estou entendendo como tudo funciona por aqui e aprendendo a me movimentar dentro dessa lógica.
Desses seus trampos de direção criativa, qual foi o mais desafiador?
Difícil enumerar porque os desafios são bem diferentes de um projeto pro outro, mas alguns marcaram mais. O mais desafiador, com certeza, foi o álbum REVERSA da Carol Biazin e o seu deluxe 'REVERSA [in]ato'. Foi meu primeiro contato com esse tipo de projeto, eu ainda estava entendendo como funcionava esse lugar de direção criativa em um álbum. Fiz muita pesquisa, tive que ser super multitarefa pra não só criar um universo visual, mas garantir que ele estivesse presente em cada detalhe, e comunicar isso pros fãs de um jeito que não quebrasse a narrativa — que era toda costuradinha. Quando a gente faz algo pela primeira vez, sempre dá aquele frio na barriga maior.
Depois veio meu primeiro clipe como diretora geral, o de Real Valor, que era - simplesmente - feat. com Marina Sena e Vulgo FK. Antes disso eu já tinha feito parte de todos os clipes da Carol como diretora criativa, e em alguns também como roteirista, mas esse foi o primeiro que assinei de fato como diretora.
Outro que me marcou muito foi Ligações de Alma, com a Carol e o Baco Exu do Blues. A gente saiu na rua à noite, só com uma câmera e sem rumo definido, e foi criando o trajeto na hora mesmo. Depois tive que montar um clipe com esse material espontâneo, e no fim das contas acabou virando um projeto bem especial.
Teve também o fevereiro, 2023. da Giana, que foi um trabalho muito íntimo e sensível. A gente gravou em película, então tudo precisava ser certeiro. Foi uma entrega estética e emocional também, e contou com a parceria do Pedro Maciel, que trouxe muita sensibilidade pro projeto.
E o mais recente foi o clipe de Enough, da Manny Moura, já aqui em LA. Era uma equipe bem reduzida — só eu, ela, uma amiga que ajudou e uma stylist — e mesmo assim conseguimos realizar tudo com muito cuidado. Eu assinei a direção geral, captação, direção criativa, roteiro, luz, edição e produção. Foi um processo intenso, mas muito especial, porque conseguimos colocar no mundo algo que representa bastante esse novo momento pra ela.
Voltando um pouco pro design, quais as diferenças entre criar pra uma campanha publicitária e criar para um clipe de música? O músico é o cliente?
É um assunto que pode ser discutido por muitas horas, hahaha! Mas vou tentar resumir de algum jeito, não acho que seja tão simples quanto isso. Para mim, a diferença fundamental entre a criação na publicidade e na música está no propósito e na mensagem. A criação publicitária tem como objetivo persuadir o público a adquirir um produto ou serviço, utilizando estratégias de comunicação comercial. Já na música, o foco é mais a arte, buscando transmitir emoções, ideias e experiências.
Enquanto na publicidade o "cliente" é muitas vezes a marca que quer vender, no clipe o processo é mais colaborativo, com o músico como o "cliente", mas com uma liberdade criativa maior visando a expressão artística. A meta em ambos os casos é tocar o público, mas o clipe tem um espaço maior para subjetividade e sensibilidade, o que torna o processo menos restrito.
Falando de clipe, como é o processo criativo de um clipe? Você que chega com a ideia toda, o artista participa ou depende de cada caso?
O processo criativo de um clipe pode variar bastante, depende muito do artista e da fase que ele está vivendo. Em alguns casos, o artista já chega com uma imagem clara, uma sensação ou até uma ideia de direção visual, e a partir disso a gente vai desenvolvendo juntos. Outras vezes, sou eu quem mergulho na música, me conecto com a história da pessoa e trago uma proposta mais conceitual. Eu gosto de explorar a profundidade da música, entender as emoções e sentimentos por trás dela, pra poder criar algo que ressoe com o que o artista quer expressar, mas também com o que ele talvez não tivesse imaginado ainda.
Sempre há uma troca, porque mesmo dirigindo, o clipe não é só meu, obviamente é também do artista. Gosto quando o processo criativo vai além do esperado, quando o clipe vira um espaço onde o artista se vê, mas também se surpreende. Meu trabalho é justamente fazer essa ponte entre o que é real e o que pode ser inventado, criando um equilíbrio entre a identidade do artista e uma visão criativa mais livre. Esse processo de colaboração e descoberta é o que me motiva, e cada clipe acaba sendo uma experiência única.

Li uma matéria sua na Hypebeast que você quer deixar uma marca sua nos clipes que você faz, que as pessoas possam ver as obras, mesmo que separadas, e verem que tem sua cara nelas. Qual marca é essa? Existe alguma identidade sua que você já conhece e quer deixar marcada ou é uma busca?
Acho que é uma mistura das duas coisas. Eu tenho uma estética muito marcada pelo uso de cor e pela vontade de sempre trabalhar essa dualidade entre o real e o lúdico. A cor, pra mim, tem uma força semiótica e sinestésica, não é só visual, ela cria atmosfera, mexe com a emoção. Gosto de trazer o lúdico pro mundo real, misturar fantasia com elementos do cotidiano de um jeito que faça sentido dentro do universo do clipe. Mas, no fim, vejo tudo isso como uma busca constante. Cada projeto me revela um pedaço de quem eu sou como diretora. Talvez minha marca seja justamente essa mistura de sensibilidade com fantasia, algo que não é só visual, mas também emocional e imersivo - ainda tô descobrindo.
Você faria qualquer clipe, de qualquer gênero? Você tem que gostar da música ou do artista?
Com certeza, desde que eu sinta alguma conexão. Não precisa ser meu estilo musical favorito, mas tem que ter verdade, tem que ter entrega do outro lado. Quando isso acontece, eu consigo entrar no universo e criar algo bonito de verdade. Se for só por fazer, não faz sentido pra mim, e acho que o público sente quando falta coração na coisa.
Um exemplo disso foi o clipe que fiz pro LVCAS (Lucas Inutilismo), que tem como base o rock. Até então, eu só tinha trabalhado com pop, então foi um desafio e tanto. Mas, foi lindo demais e tenho muito orgulho do resultado. A conexão com ele e a música dele fez todo o processo ser muito especial, e o fato de me entregar de coração no projeto fez com que tudo fluísse de forma única.
Alguns dos clipes que você dirigiu já bateram milhões de views no Youtube. Como é isso pra você, você imaginava, tinha noção por conta das pessoas envolvidas ou isso é uma surpresa?
É sempre uma surpresa. Claro que a gente sente quando o projeto tem potencial, principalmente quando envolve artistas com públicos grandes ou feats de peso. Mas ver milhões de pessoas assistindo, comentando, se CONECTANDO com aquilo... é outra coisa. É surreal. Mais do que número, pra mim, é sobre impacto. É sobre alguém parar por alguns minutos, assistir aquilo e sentir algo. Tem gente que manda mensagem dizendo que chorou, que reviu alguma situação da vida, que sacou a referência (eu AMO receber essas mensagens) ou que ficou com alguma cena na cabeça por dias. Isso é muito maior do que views. No fim, é sobre criar algo que fique, que emocione, que marque.
Muito se diz sobre streamings, Youtube e as redes sociais tirarem visualização e alcance. E no meio disso você trampa com direção criativa justamente para materiais que são usados nessas plataformas. Pensar em métrica é algo que também faz parte do processo criativo ou isso não é uma questão na hora de criar?
A métrica existe, e a gente sabe disso. Tem cobrança, sim — principalmente de áreas de fora da criação — pra já pensar em performance e alcance desde o começo. Mas minha prioridade é o artista e o fã.
No meu processo, a criação já possui estratégia (meu diploma em publicidade fazendo juz), elas caminham juntas, mas a ideia precisa nascer de um lugar verdadeiro. Primeiro eu entendo o que o projeto quer comunicar de fato, o que conecta com o público, e aí sim penso em como adaptar isso pras demandas do mercado. Se a gente começa só pelo algoritmo, corre o risco de entregar algo vazio. O desafio é equilibrar os dois lados sem perder o propósito.

Conheça o trabalho da Gabriela Grafolin em grafolin.com