Exaltemos nossos ídolos em vida
Como a cultura está finalmente celebrando os ídolos enquanto ainda podem participar das suas próprias festas

Aqui vai uma história pra você não repetir: uma das últimas exposições do fotógrafo German Lorca aqui no Brasil aconteceu em 2018 no Itaú Cultural, em São Paulo. Eu sempre adorei suas fotografias e fui visitar a exposição in loco. Passeando por corredores da exposição, lá estava ele - um senhor baixinho, de cabelos brancos, sentado do lado de uma das fotografias, falando espanhol com outra pessoa. Era German Lorca em pessoa e eu travei. Não falei com ele, não tive coragem. Não pude dizer o quanto admirava e nem pude deixar meu “muito obrigado”. Anos se passaram e German Lorca faleceu em 2022.
Conto essa história porque, quando lembro, me arrependo amargamente de não ter feito o mínimo: de ter dito para um ídolo que ele tinha feito algo especial para mim. E sinto que a gente viveu bastante disso culturalmente no Brasil, essa coisa de não saber ou não querer dar créditos e louvores a quem realmente fez e merece. A gente era um pouco ruim de celebrar nossos ídolos em vida, mas isso tem mudado.
Não é de se negar que, há alguns anos, estamos vivendo culturalmente uma forte volta à outros tempos. A nostalgia, assunto que é corriqueiro nas pautas de agências, marcas e produtores culturais, é moeda forte entre aqueles que buscam atingir um público maior, conectando-se ao sentimento e ao desejo de tempos em que, talvez, não poderíamos ter tudo aquilo que gostaríamos.
É comum, por exemplo na moda, termos a volta de chuteiras usadas em 2005 em uma versão fashion, calças de 1994 serem disputadas online e camisetas do Woodstock de 1999 valerem 300 dólares. Na música, essa nostalgia foi um mar de rosas para bandas que acabaram 10, 15 anos atrás, mas que marcaram a infância e adolescência da galera 30+ que hoje é o centro do consumo jovem-adulto.
Tudo isso, com seus prós e contras, também resultam numa ação positiva de exaltar os ídolos em vida. E não estou falando aqui só de assistir bandas emo que morreram em 2006 e hoje voltam com membros com 50kg a mais, mas sim de ídolos que, pelo tempo de contribuição e importância, são pessoas que merecem ser celebradas enquanto ainda podem participar de suas festas.
Um exemplo recente é o show de despedida do Black Sabbath, banda lendária e criadora do heavy metal, que fez sua última apresentação no dia 5 de Julho em Birmingham, no Reino Unido. A banda não se apresentava há anos e, nas últimas vezes, nem era sua formação original completa - Bill Ward não estava tocando na tour The End. Mas seja por marketing ou realmente precisar fazer acontecer uma última vez, no dia 5 estavam os quatro membros originais sendo celebrados em um dia que ficou pra história da música.




Bill Ward, Geezer Butler, Tony Iommy e Ozzy Osbourne no seu último show (fotos: Ross Halfin)
Aqui no Brasil, estamos também tentando, e conseguindo bastante, fazer uma exaltação de ídolos importantíssimos da nossa cultura, colocando-os como centro de obras biográficas e, melhor ainda, fazendo com que eles participem ativamente fazendo o que sabem. Músicos lendários como Marcos Valle, Arthur Verocai e Evinha sendo colocados como protagonistas em colaborações com músicos mais novos; filmes de lendas como Ney Matogrosso e o maestro João Carlos Martins; peças de teatro diversas contando histórias de artistas brasileiros com suas participações em roteiros e até atuando.
No rap brasileiro, em 2024, o rapper BK, no álbum Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer contou com várias participações de artistas lendários brasileiros, colocando-os não só como sample, mas como feats. e detentores dos direitos das músicas. Fat Family, Djavan, Evinha, Trio Mocotó, Milton Nascimento, entre outros, são participações desse álbum.

Saindo um pouco da música e voltando para o exemplo dado em um parágrafo acima, isso acontece em outras culturas, como a esportiva, quando relançam um produto como a Total90 da Nike e em suas propagandas contam com o Ronaldinho Gaúcho e Edgar Davids - jogadores lendários dos anos 90 e 2000 - e/ou quando, em outro exemplo, uma loja conceituada de fashion, a KITH, conta com o ex-jogador Kaká em uma de suas propagandas de collab com a adidas. Esses exemplos também são prova de como essa nostalgia contribui de forma positiva para relembrarmos de ídolos geracionais e os exaltarmos como marcos, seja no estilo, na habilidade ou em sua influência.
Tudo bem, a gente sabe que tem uma parcela grande da influência consumista nesses resgates, principalmente quando são ligados ao fashion e a produtos. Mas também é interessante pensarmos que, se a gente focar só em dinheiro, esses ídolos estão também sendo exaltados financeiramente, ganhando o seu participando dessas campanhas.


Kaká para Keith e Davids para Nike (fotos: divulgação marcas)
Exemplos como os desse texto são de uma assertividade gigantesca e colocam os ídolos na posição de protagonistas de sua própria festa e sua própria história. No show do Sabbath, por exemplo, bandas que eles influenciaram também participaram, tocando suas músicas, celebrando seu legado e mostrando a cena que eles criaram, suas ramificações e sua força. Foi além do ídolo, mas centralizou na sua história.
Bandas, artistas, atletas e afins são reconhecidos não somente por fãs antigos, mas também por novos públicos, e esses são os que vão perpetuar seu legado daqui pra frente. Essa é a uma forma de fazer com que a arte e a cultura daquele segmento se espalhe ainda mais e que reconheça seus alicerces de forma a construir mais caminhos em cima do que eles construíram.