Crialismo: a arte dos “cria”

Arte que nasce na quebrada, com voz própria, identidade e urgência

Crialismo: a arte dos “cria”
“Inspirações de Sun Ra”, obra de Pegge

Se a arte moderna sacudiu o século XX com suas rupturas, o Crialismo chega no século XXI com um novo grito: o da quebrada. Nascido da força criativa de jovens das favelas e periferias brasileiras, o Crialismo é mais que um movimento artístico – é um manifesto de existência, estética e resistência.

Esses artistas retratam o cotidiano da favela com cores vivas e traços expressivos, celebrando a autoestima, o orgulho e o estilo de vida periférico, rompendo com o estereótipo da violência e revelando beleza, afeto e identidade.

O que é o Crialismo?

O Crialismo é um movimento de expressão coletiva que nasce do desejo de jovens artistas das periferias brasileiras de contar suas próprias histórias com suas próprias linguagens. Mais do que um estilo artístico ou uma escola formal, o Crialismo é uma afirmação de origem, de identidade e de vivências.

É arte feita por quem cresceu longe do centro, longe dos holofotes e das instituições, mas nunca longe da potência criativa. É uma arte que nasce na escassez, no improviso, na coragem e na urgência de se fazer ouvir.

O termo vem da gíria “cria” – forma de se referir aos jovens de quebrada. Mas aqui, cria também representa criação: de mundos, de linguagens, de narrativas. O Crialismo surge como um movimento coletivo de artistas que partem da sua vivência periférica para criar uma arte autêntica, sem mediações, sem filtro.

Um novo ponto de vista onde o centro do Brasil criativo não é mais a elite e sua visão eurocêntrica, mas a periferia, as comunidades e esse olhar único e vivências que só quem nasceu e cresceu na margem da sociedade tem.

Rompendo padrões com autenticidade

Grande parte dos artistas crialistas são autodidatas. Por não passarem pelos caminhos tradicionais da academia, eles criam livres das convenções formais e dos filtros institucionais que muitas vezes limitam a expressão artística. Essa liberdade é o que dá ao Crialismo sua força disruptiva: uma arte que não pede licença, que não se enquadra e que não precisa de validação para existir.

Diferente de muitos movimentos artísticos tradicionais, o Crialismo não se define por um estilo específico de arte, mas sim por uma origem comum e um sentimento profundo de pertencimento. É a vivência periférica que guia as narrativas, os temas e as formas de expressão. O que une os crialistas não é uma estética padronizada, mas uma urgência coletiva de ocupar espaços, contar suas próprias histórias e ressignificar o que é arte no Brasil. 

O digital e a democratização

O crescimento do Crialismo também é fruto da democratização do acesso à internet e das redes sociais. Se antes era preciso passar pelo crivo de curadores e ocupar galerias de arte – espaços muitas vezes elitistas e excludentes – hoje os artistas periféricos usam seus perfis para divulgar, vender e circular suas obras. O Instagram, o TikTok e outras plataformas se tornaram vitrines, ateliês e praças de encontro. Ali, eles conectam diretamente com o público, rompendo com a lógica de mediação institucional e criando novas formas de existência e reconhecimento artístico.

Alguns “crias” que estão moldando o movimento

O Crialismo é um movimento coletivo, diverso e descentralizado. A seguir, apresentamos alguns dos artistas que, com trajetórias distintas e estéticas singulares, têm levado a voz e a potência da quebrada para o centro da conversa cultural brasileira. Eles representam não só o talento das periferias, mas também a urgência de uma arte conectada com a vida real, com as ruas e com o presente.

Vinicius “Muito Cria” Allencar (@a.llencar): ilustrador, designer e poeta visual que expressa sua vivência periférica com traços vibrantes e mensagens diretas. Cria de São Gonçalo (RJ), é uma das vozes mais ativas do Crialismo, tendo sido ele, inclusive, quem batizou o movimento.

Robinho Santana (@robinho_santana): local de Diadema, São Paulo, é artista visual, pesquisador e músico experimental. Retrata o cotidiano, os símbolos e a estética da favela com traço expressivo e identidade própria, dialogando em sua obra com a vida e a cultura de seu povo e buscando uma representação plural e digna da mulher e do homem negros periféricos.

Maxwell Alexandre (@maxwell__alexandre): nascido e criado na Rocinha (RJ), é um dos principais nomes da nova arte brasileira. Suas pinturas abordam temas como negritude, religiosidade, violência e ascensão social a partir da experiência periférica.

Pegge (@pegge_): artista multidisciplinar paulistano, cria da periferia da ZL, suas pinturas misturam referências pessoais, da cultura afro, da cultura pop e otaku.

Fael (@artistafael): muralista, ilustrador e arte-educador da zona leste de São Paulo. Seu trabalho é carregado de cor, crítica social e valorização da cultura preta periférica.

Fernanda Santos (@fernandasantosart): artista visual de Niterói (RJ) radicada em São Paulo. Trabalha com pintura e técnicas mistas para explorar temas como ancestralidade, identidade negra e afetos na quebrada.

Nathallya Faria (@nathallyafaria.artes): artista plástica, arte-educadora e artesã de Ribeirão Preto (SP). Suas obras celebram o povo preto e periférico com delicadeza, potência e referências à ancestralidade.

Hebert Amorim (@artedeft): artista visual autodidata da zona oeste do Rio de Janeiro. Produz colagens e ilustrações digitais com forte influência do grafite, do hip hop e da moda urbana.

Thaís Iroko (@thaisiroko): artista visual, arte-educadora e pesquisadora nascida no Rio de Janeiro. Trabalha com performance, instalação e vídeo, abordando memória, identidade, feminilidade e ancestralidade afro-brasileira.

Juan Calvet (@calvet_arts): ilustrador e artista visual da Baixada Fluminense (RJ). Ganhou destaque com obras que celebram a negritude e o cotidiano periférico com estética colorida, afetiva e impactante.


O Crialismo não é apenas sobre arte, é sobre presença. É sobre ocupar espaços, inverter lógicas e criar novas narrativas a partir de um lugar historicamente invisibilizado.

Se o Crialismo será lembrado como um marco histórico, ao lado de movimentos como o Modernismo, o Cubismo ou o Surrealismo, só o tempo vai dizer. Mas uma coisa já é certa: a arte que vem da quebrada não pede passagem — ela chega com os dois pés na porta ocupando tudo.


ISMO
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