Conheça o vlogger brasileiro que visitou a maior favela da Índia através do skate

Guilhermo Guillis e seus vídeos de viagens com outros olhares

Conheça o vlogger brasileiro que visitou a maior favela da Índia através do skate
Retrato de Guillis por José Valduga

De colar em Veneza pra tirar umas fotos a ir pra maior favela da Índia, o Guilhermo Guillis tem feito viagens que vão além do turismo comum e colocam outras perspectivas para quem busca esse tipo de vídeo no Youtube. Ele, que veio do skate, é um dos brasileiros trazendo olhares novos para vlogs, quase um novo jornalismo Gonzo na internet de hoje e indo mais longe do que só mostrar as comidas locais. 

Você veio do skate, né? Conta um pouco de onde veio e onde está hoje.

Assim como todo skatista, a gente começa a andar de skate e o skate apresenta vários mundos ao redor e um deles foi o audiovisual. Por conta das manobras, o skate tem a necessidade do registro e com o acesso às câmeras, mais pessoas fotografam. No skate sempre teve skatista, fotógrafo e videomaker então meu interesse começou daí. 

Automaticamente as coisas foram acontecendo, filmando, fotografando, até aparecer oportunidades de trabalhar em revistas e marcas de skate, tipo a Revista CemporcentoSKATE. 

Luiz Apelão por Guillis

Pelo skate estar sempre na rua, o que me chamou atenção sempre foi a cultura ao redor. No skate a gente sempre colocou imagens aleatórias nos vídeos, tipo o doidão da rua ou algo curioso que aconteceu, e isso é uma parte da fotografia de rua e que foi algo que comecei a fazer em paralelo com o skate, mas pra mim isso está tudo conectado.  

Essa transição que tenho feito para vlogs de viagens nas ruas foi uma extensão disso, porque acabei saindo do mundo do skate e tinha a necessidade de continuar registrando a mesma cultura mas de diferentes formas. Nada mais é do que sair na rua e ao invés de render manobra, é render uma história e acho que fiquei viciado no lance de buscar missões de viagens com meus amigos… Antes era isso com skate e agora é mais geral, contar outras histórias.

Você tem ido pra lugares bem diferentes ou, se você vai pra lugar mais comuns, você tenta passar uma visão mais local. No quanto isso você trouxe do skate? 

Com certeza o skate influenciou isso. Quando a gente ia fazer uma missão de manobra, podia ser em um bairro rico ou em bairro pobre e o skate sempre caminhou por entres espaços, não só nos lugares, mas entre as pessoas também. Então sempre tive esse interesse não só no pico, mas com a vida das pessoas nos locais onde eu estava. 

Quando a gente ia andar de skate em alguma quebrada, a gente tinha um tipo de recepção, as pessoas sempre foram mais receptivas nesses lugares. E agora viajando eu acho legal mostrar esse lado que o turista não vai, porque você acaba conseguindo quebrar alguns preconceitos que as pessoas e até alguns que eu já tive também. Isso tudo acaba mudando meu pensamento! 

Na Índia esse meu pensamento quebrou muito porque nossa vivência em favelas brasileiras é algo às vezes perigoso, os conflitos entre polícia e tráfico e as pessoas têm medo de estar na favela. Na índia, a favela é parecida esteticamente, mas não tem o risco, não tem tráfico, é diferente… Eu tinha na cabeça que desigualdade gerava violência, mas estando num lugar que é desigual e isso não acontece, você vê que tem outros fatores agindo, culturais, religiosos, várias coisas. 

Quando você conhece novos locais, você aprende sobre o mundo ao seu redor, quebra preconceitos e amarras. 

Ah, vale lembrar que eu só fui nessa favela da Índia por causa de um skatista que mora lá e me chamou pra conhecer! O skate está sempre conectado nas nossas vidas e abrindo portas para essas experiências e fazendo a gente melhorar a cada dia. 

Hoje você tem um canal no Youtube que está em constante crescimento por causa das viagens e dos vlogs das viagens que você faz. Eu lembro que antes os vídeos tinham como ponto central a fotografia e hoje meio que alguns já vão para caminhos de conhecer a cultura, ser mais vlog mesmo. Como você tem visto essa transformação do que você tem feito.

Foi um pouco sobre querer fazer coisas novas e sobre atingir mais pessoas. Percebi que falei muito tempo sobre foto de rua e isso tem um público pequeno e acho que, para mim, se esgotou. E senti que a fotografia de rua também era essa busca e estar na rua registrando pessoas e histórias, percebi que só falasse só de foto nesse contexto, talvez não atingiria pessoas que não fotografassem. 

Aí fiz essa transição de contar essas histórias, meio que sem foto agora, mas buscando histórias e conexões com pessoas. Eu também sempre gostei de documentários, mas sempre achei que era um formato mais bem produzido, câmeras boas, mais pensado, coisas que gosto muito, mas percebi que quem não estuda e está afim de ver exatamente isso, consegue ver muito mais vídeos no estilo vlog porque a pessoa consegue se conectar e até pensa “eu poderia fazer isso”. 

Não me entenda mal, eu sonho em fazer documentário, é algo que quero muito, mas hoje sinto que não é minha linguagem e nem tenho equipamento para isso no momento. Então esse lado do vlog fez mais sentido e senti que acaba acessando muito mais pessoas. Tem até documentaristas sérios estão percebendo isso, que vlogs podem ser bons documentários também.

Tem até uma plataforma que chama Bombozila, de documentários da América Latina e me chamaram para colocar meu vídeo sobre uma fazenda de haxixe do Marrocos no site. Eles perceberam que precisam chamar uma galera que conta histórias de formas diferentes também e esse formato já consegue informar. 

Foi uma junção de ver uma demanda, não tem muitos brasileiros fazendo os caminhos que fiz, e dos recursos que eu tenho no momento. Não é fácil fazer a transição, mas tem rolado! 

Falando nesse vídeo sobre o haxixe, esse foi o que mudou o jogo pra você?

Esse vídeo foi a transição de fazer vídeos de foto para vlogs. Eu fui pra fazer vídeos de fotos no Marrocos, mas não tinha visto nada do tipo feito por brasileiros. Mas se rolasse de ir em uma fazenda de haxixe, ia fazer em um estilo mais documental. 

Aí rolou no último momento e quando fiz senti que era o que eu realmente queria fazer, era o que me fazia sentir vivo. Mas o engraçado é que postei o vídeo e ficou uns três meses com mil views, não vingou de primeira, de repente as pessoas não se conectaram. 

Mas quando começou a bombar, acho que começou a ser recomendado, me surpreendeu, mas fiquei pensando no quanto a gente está preso à recomendação do algoritmo. É meio que um mecanismo de post, ou algum assunto em alta, mas é muito difícil de entender. Outra coisa foda é a frequencia, tem que estar sempre postando, mas isso é uma loucura, imagina ficar postando 5 vídeos todos os dias? 

Mas percebi isso nas redes sociais, acabo cortando meus vídeos e posto vários deles. Tem esses macetes, mas ao mesmo tempo, quando viraliza, você meio que não cria um público real, posso ter muitos inscritos, mas não chegar pra muita gente nem conversar com todo mundo, é meio que uma ilusão. Tem que saber gerir isso e não se iludir. 

Dá pra ganhar dinheiro viajando o mundo e fazendo vídeos dos locais? Dá pra viver disso?

Tem quem viva, mas sempre tive o pé no chão que isso seria difícil, até pelas pautas que estou fazendo. Acho que tudo é número na real, se você tiver bastante, consegue patrocínios, mas é difícil chegar nos números e ter a frequência. 

Eu concilio esses vídeos à uma vida normal acontecendo, trabalhar, pagar aluguel, não faço só os vídeos. A gente tem que lidar com tudo, tem gente que acha que estou viajando o mundo mas estou postando vários vídeos há meses sobre uma viagem que fiz no ano passado, haha. 

Qual foi a experiência mais doida que você teve até agora?

No Marrocos foi bem diferente. Existe a diferença de língua, eu tentando falar em inglês, um inglês bem ruim e eles tentando entender, foi curioso. A gente chegou lá e queria fazer o turismo do haxixe e muita gente oferece, porque é um turismo dos caras, mesmo. 

A gente passou um dia vendo a cidade, vendo quem oferecia para sentir alguma conexão mais segura que a gente pudesse ir com mais confiança. A gente achou duas pessoas e íamos procurar as pessoas no dia seguinte. Na mesma noite, apareceu o cara com quem a gente foi mesmo e ele era todo malandro, tatuagens, um discurso de quem queria te persuadir, a gente não ia com ele, era muito gangsta!  

Mas no dia seguinte a gente foi procurar os caras que tínhamos confiado e não achamos ninguém. Nessa busca, chegou esse cara malandrão e a gente ficou com o pé atrás mas acabamos indo. 

Ele começou a dar umas voltas na cidade em círculos e estava esquisito. Ele falou que iam mais pessoas junto da gente e do  nada não ia mais ninguém, estava um bagulho meio estranho. Aí chega a van que íamos, toda lacrada, tudo esquisito, haha. 

Fomos meio com medo, mas aí comecei a gravar no meio do caminho, até pra ficar um registro, e quando apertei o play, o cara mudou totalmente, virou um personagem! Aí ficamos mais tranquilos, fizemos o vídeo todo e no final foi uma experiência única de se sentir vivo, deu medo mas conseguimos uma puta história, tudo sem patrocínio, fazendo nas férias, na loucura, fazendo acontecer.

É dahora sentir isso, de fazer acontecer por conta própria. 

O que você falaria pra quem está buscando fazer vídeos na internet e viver disso?

Cara, eu estou nessa busca também, haha. Não vivo disso, não acho nem que vou viver um dia. Mas para mim é uma terapia, eu gosto de pesquisar o local para onde eu vou, faz eu aprender muito mais. É um registro documental da viagem e também da fase da minha vida. 

Hoje faço para documentar e sempre lembrar, o que é muito legal. É uma terapia, ponho para fora meus sentimentos, vejo vídeos antigos e vejo o quanto mudei, é muito bom. 

Se a pessoa quer ganhar dinheiro, fazer virar, é muito fácil ficar doido. Tem que postar muito, viver muito na internet. Tem que pensar na estética, na sua linguagem, enfim, tem alguns caminhos, mas é algo que te consome muito, tem que ter cuidado para não enlouquecer. 

É legal para quem gosta de produzir conteúdo, fico feliz por conhecer lugares e suas histórias, então tem que ter foco e fazer acontecer, ter equilíbrio entre o que você quer e buscar como fazer isso sem fuder sua mente.


ISMO
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