Como Tobe Nwigwe transformou uma cor em linguagem

Uma estética que atravessa colaborações ganha uma nova coleção com a Reebok e está chamando atenção no Brasil

Como Tobe Nwigwe transformou uma cor em linguagem

A mais nova colaboração entre Tobe Nwigwe e a Reebok chama atenção por um motivo que vai além do design: ela carrega uma continuidade. Nomeada Chukwu ABUO (“abuo” significa "dois" em igbo), essa segunda coleção não começa agora; ela dá sequência a uma narrativa visual e simbólica que Tobe constrói há anos através da família, da música e da imagem.

Lá em fevereiro, ele lançou a Preseason OTU (“Otu” significa “um”). Agora, com ABUO, a história segue, mas não se repete. As peças vêm com silhuetas repensadas, texturas utilitárias como suede e nobuck, e a paleta de cor que se tornou sua assinatura: o verde-menta. O tênis BB 4000 II ganhou uma forma mais robusta, solado em borracha natural, cadarço com trava e formas arredondadas. Também chama a atenção a extensão da coleção para crianças, como se o vestiário também dissesse: isso é para todo mundo, inclusive para quem vem depois.

Reebok BB 4000 II foi o tênis escolhido para ser o centro desta segunda colaboração.

A cor como linguagem

Quem bate o olho nos vídeos de Tobe ou no feed da família logo percebe: tudo é menta. Mas não se trata de uma escolha estilística qualquer. É um código que atravessa clipes, figurinos, cenografia e redes sociais, com constância rara. É ali, no visual, que ele comunica parte da sua mensagem.

Segundo o próprio artista, o verde-menta representa recomeço, clareza. Mas por que essa cor, especificamente? Há alguma conexão com a tradição igbo, com o simbolismo cultural da Nigéria? Embora ele ainda não tenha explicado com todos os detalhes, a repetição meticulosa da cor sugere um valor ritual. Um gesto contínuo de afirmação.

Na cultura igbo, cores carregam significados espirituais e sociais. O verde costuma estar associado à fertilidade, à vida e ao equilíbrio com a natureza, elementos que, mesmo que indiretamente, ecoam na proposta de Tobe. O verde-menta, como variação contemporânea, ganha novo sentido: pureza, recomeço, estratégia visual.

Visualmente, o verde-menta aparece de forma estratégica: nos blusões oversized usados por Tobe e sua mulher, Martica “Fat”, no cabelo das filhas, nos fundos monocromáticos dos clipes. É como se o espectador fosse convidado a entrar num universo onde o tom é o mesmo, mas a mensagem se transforma.

Entre Moncler e Reebok

Em uma ponta, a Moncler: alfaiataria acolchoada, silhuetas elegantes, menta em textura de passarela. Em outra, a Reebok: cadarço com trava, recortes agressivos, vocabulário esportivo. Duas marcas, duas linguagens, mesma cor.

Mas como cada marca interpreta a visão de Tobe? Enquanto a Moncler enfatiza a imagem de um líder espiritual urbano, quase messiânico, a Reebok se ancora na ideia de família em movimento. Os tênis infantis, por exemplo, são mais que merchandising, são continuidade visual e simbólica.

E se a Reebok desenha suas silhuetas sobre uma estética atlética, a Moncler propõe um Tobe monumental, quase escultórico. O contraste ajuda a entender como ele consegue manter coerência estética mesmo ao transitar por polos distintos do mercado.

As campanhas tiveram recepção entusiasmada, especialmente entre fãs de streetwear que valorizam projetos com propósito. Em sites especializados, a estética menta foi celebrada como assinatura marcante, e não apenas como recurso visual.

Comparando as duas colabs, é fácil perceber que a consistência vai muito além da cor.

Da ONG ao Grammy: o que vem antes do hype

Filho de nigerianos, nascido em Houston, Tobe cresceu no cruzamento entre tradição igbo e cultura afro-americana do sul dos EUA. Quase virou atleta profissional, mas uma lesão o levou a outro caminho. Estudou merchandising, fundou a ONG TeamGINI, começou a compor. E criou, com a esposa e os amigos, uma estrutura audiovisual independente.

A TeamGINI tem um propósito simples: ajudar jovens a identificarem seus dons e encontrarem caminhos possíveis a partir deles. O nome vem do igbo “Gini Bu Nkpa Gi?” (algo como “qual é seu propósito?”) e traduz uma filosofia que também orienta sua música.

Seus clipes são coreografados, encenados, e feitos quase como teatro. A série #GetTwistedSundays criou um ritmo de produção e engajamento que o levou a outro patamar. Com “I Need You To”, durante os protestos antirracistas, ele viralizou. Depois veio a trilha sonora de Transformers, a indicação ao Grammy, os palcos maiores. Mas a proposta segue intacta.

Uma identidade que não se dilui

Tobe se move entre o mainstream e o íntimo com rara habilidade. Participa de blockbuster, mas continua gravando no quintal de casa. Faz trilha sonora de franquia global e, na mesma semana, posta um vídeo com as filhas dançando no mesmo cenário de sempre. Há uma integridade no que ele constrói, uma espécie de blindagem contra o excesso de exposição.

Esse controle da narrativa é deliberado. Em vez de superexposição, ele oferece recorrência. Em vez de reinvenção constante, consistência. A menta, nesse caso, não é adorno: é estrutura de reconhecimento. É como se dissesse “você já esteve aqui antes, mas agora vai ver de outro jeito”.

Em vez de tratar a identidade visual como embalagem, Tobe parece usá-la como espinha dorsal. É através dela que ele sustenta suas colaborações, suas músicas e seus discursos. O verde-menta não é apenas a cor da vez mas, sim, o sinal mais visível de uma coerência rara. Uma coerência que atravessa plataformas, linguagens e campanhas sem se perder.

Se a Reebok chegou agora, é porque soube escutar a história que já estava sendo contada. E, talvez por isso, o que poderia ser só mais uma colaboração virou extensão natural de uma visão. Uma história que não foi criada para vender. Foi criada para durar.


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