Como fica o Bonsai entre a sorte e o revés?

Um papo sobre o lançamento do segundo disco do rapper mauaense

Como fica o Bonsai entre a sorte e o revés?
Foto: @cliquenervoso

Sorte ou Revés é o segundo álbum de estúdio de Bonsai, artista original de Mauá, município da Região Metropolitana de São Paulo. Oito anos depois do seu primeiro álbum, Martini Bianco, o rapper une forças com os produtores CIANO, Rudgini e Carcamano em um disco colaborativo de 21 faixas, que flutua entre os dois lados da moeda, a sorte e o azar.

Capa de Sorte ou Revés por worm

O single Esporte de Contato havia sido lançado no final de abril, acompanhado de videoclipe, criando muita expectativa e preparando o terreno para o lançamento do disco. A espera acabou, e ela é a faixa que abre o projeto, revelando o panorama completo desse desequilibrado jogo da vida.

Nesse último domingo, 18, colei no WORM TOUR 02, no KAIA, no centro de São Paulo, onde o Bonsai deu uma palhinha de algumas faixas do disco que viria a sair no dia seguinte. Aproveitei para trocar essa ideia com ele sobre o processo do disco, vivências e percepções com esse lançamento.


Salve, mano! Queria que você se apresentasse e falasse sobre a importância desse disco na sua trajetória.

Meu nome é Miguel, vulgo Bonsai, estou no corre do rap há praticamente dez anos e esse, com certeza, é o disco mais importante da minha carreira, porque ele funcionou da forma que eu imaginava um dia fazer, tá ligado? Melhores batidas, melhores versos, melhor mixagem, eu consegui o melhor resultado que eu imaginava, um dia, ter com a música. Tenho depositado muita esperança, não em questão de fama, mas em questão de contribuição para a cultura hip-hop mesmo, vai ser bem marcante na minha visão.

Você diria que ele simboliza o que você viveu nesses últimos anos, desde o Martini Bianco?

Mano, a parada do Sorte ou Revés simboliza a nossa vida no contexto do “perde e ganha”. Enquanto o disco vai passando, você consegue perceber que em uma faixa você ganha, em outra você perde. Uma hora você tem sorte, outra hora você tem azar. Uma hora você bate, uma hora você apanha. A nossa vida, pelo menos a minha vida, durante esses oito anos, funcionou assim. E está muito refletido sobre mim essa parada, tá ligado?

Contracapa de Sorte ou Revés por worm

E por que Sorte ou Revés?

Sorte ou Revés é uma cartinha do Monopoly, saca? Que é um jogo de sorte e azar, um jogo de dados. No começo a gente tinha uma brisa com o velhinho do Monopoly, só que não construímos nada em cima disso, acabamos usando só o nome e fomos construindo isso dentro do contexto que a gente vive hoje.

Esse contexto do vício em jogos — principalmente dessa era digital — então você vai ouvir cortes do tigrinho, de máquinas de caça-níquel, jackpot, está tudo dentro do disco. De ponta a ponta ele fala sobre isso, perder e ganhar.

Tem bastante a ver com o momento que a gente vive em relação a isso, então.

É! Não sei se você viu, mas a escola de samba que ganhou em São Paulo usou como tema os jogos — louco, né? E agora a gente está vivendo uma CPI das Bets, também, então tudo está ligado. A gente já entende que o vício em jogos é uma causa de saúde pública, então é uma pauta muito importante de falar sobre. Ainda mais em um momento que uma parte da música, o funk, por exemplo, fala tão positivamente de Bets e coisas do tipo — e isso entra na cabeça da favela de uma forma tão zoada, que ferra com a cabeça de todo mundo, tá ligado? É bom alguém se contrapor.

Trecho do videoclipe de Esporte de Contato, dirigido por CIANO, Rudgini e Carcamano

Como um rapper de Mauá, onde você enxerga que esse disco se localiza dentro da cena? 

O meu disco tem bastante drumless e bastante boombap. A real é que ele é um disco duplo, tá ligado? Tem o lado Sorte e o lado Revés, que são dois universos completamente diferentes. O lado Sorte é mais solar, os timbres são mais para cima, e o lado Revés é a merda acontecendo, eu vou para uma camada bem mais fodida.

Dentro do disco têm algumas representatividades de Mauá que vão ficar eternizadas. Eu fiz uma faixa chamada Capuava, que é um manifesto ambiental. Capuava é um bairro de Mauá que tem o maior polo petroquímico do Brasil. É um lugar em que a população sofre muito em relação à qualidade do ar e coisas do tipo, e todo mundo que está aqui, provavelmente não sabe disso. A faixa é uma denúncia sobre isso, e é uma parada impossível de não ser notada, porque Capuava é uma estação de trem, é uma região que está exatamente entre Mauá, a Zona Leste de São Paulo e Santo André. Também tem uma faixa chamada MAUAZOO, tipo o "zoológico de Mauá", que é meio que o carro chefe do lado Revés.

Para mim, que venho de Mauá, é um bagulho absurdo, porque vários moleques colavam comigo, vários manos faziam um som comigo, e a vida é um rolo compressor em cima dos sonhos das pessoas, né?

Hoje só tem eu fazendo, da rapaziada que colava comigo. Mas ainda tem muita gente que está surgindo lá, que eu acho que vai ser da hora. Pelo menos, seria da hora, para mim — se eu estivesse começando agora — vendo alguém que está fazendo o bagulho. Eu me importo muito com a parada de representar a cidade, porque ela tem praticamente 50 anos, só, de existência. Minha cidade era um bairro em Santo André, então tudo que acontecer lá é muito novo. Parte da minha meta no rap é colocar Mauá no mapa, também.

Bonsai e CIANO no WORM TOUR 02 (foto: Teodoro Buendia)

Você sente que as cenas estão distantes? Ou está tudo conectado?

Não, não está conectado. Eu resido em Mauá, mas a minha música funciona aqui em São Paulo, né? O bagulho não é tão conectado, a cena do ABC é muito enfraquecida. Não por questões externas, mas porque, para acontecer na região metropolitana é muito mais difícil — já tem sido difícil acontecer aqui na capital.

São Paulo se tornou o lugar que todo mundo, de todas as regiões, tenta se encontrar para não deixar o sonho morrer, tá ligado? Eu venho de Mauá, a Killa Bi vem lá de Perus, têm os parceiros lá de Campinas, e colamos aqui no centro de São Paulo para tentar dar vida para a parada. No momento, não existe uma cena tão forte em Mauá, mas sinto que em São Paulo também não. Está se construindo, novos coletivos, novos selos, novos eventos e novas festas, vamos ver aonde vai chegar. 

E para onde você olhou na busca de referências para a construção do disco?

A construção do disco não foi feita só por mim, é um disco colaborativo. Eu compus os versos, e o CIANO, o Rudgini e o Carcamano são os produtores. Então a questão da estética, tanto do nome até a execução final, foi resultado das ideias dos quatro. Até a colocação dos versos, mudança de ideias, tudo foi aberto para todo mundo. Então foi um processo bem maneiro, porque eu nunca tinha trabalhado assim, de estar em um ambiente com quatro pessoas que confiam nas opiniões uns dos outros, sem ter a certeza individual de nada.

A gente ouve muito o hip-hop de Nova Iorque, para mim é muito referência, não só os clássicos, mas o que rola hoje. A gente observa como a cena de lá funciona, como ela se autossustenta, que os rappers não precisam miguelar para streamings, eles vendem merchs e vivem muito bem, tá ligado? Como MC, mesmo, acredito que o Espião é uma referência muito grande para mim, sempre vai ser. É um mano que quase não saiu do anonimato, mas, quem conhece, sabe que ele sempre foi muito cuidadoso com as palavras. O Sorte ou Revés tem um pouco de vários projetos, não teria como falar todo mundo, é uma doidera.

Você tem dois filhos, né? Como os aprendizados e experiências como pai de família te influenciam no rap?

Mano, é louco. É louco porque fortalece para caralho, e é um fortalecimento que vem em forma de satisfação, tá ligado? Da minha filha poder ver quem é o Bonsai, eu ver que ela sabe cantar um pedaço de um verso meu, eu falar que a gente vai sair e ela perguntar “hoje a gente vai no show do Bonsai?”. O processo do Sorte ou Revés durou praticamente três anos, e no meio disso, meu filho nasceu.

Eu tinha parado de fazer rap por um bom tempo depois que a minha filha nasceu, achava que não teria espaço para ficar nessa brisa — eu sou cozinheiro há dez anos, então minha vida sempre foi na cozinha — mas a minha esposa, Laura, me convenceu a voltar a fazer rap, e aí a gente voltou. Um dia, o CIANO me chamou para colar no centro porque ele estava gravando o clipe do yung vegan, de Polo Usa. Quando eu cheguei, conheci o Marco (Carcamano), que colava com ele, e a gente foi para o estúdio, onde eu conheci o Rudgini. Eu fui só para trombar o CIANO, mas acabei conhecendo os caras, que foi muito importante. Comecei a colar uma vez por semana lá, e toda vez eu gravava umas seis, sete faixas.

Da esquerda para a direita: Rudgini, Carcamano, CIANO e Bonsai (foto: @cliquenervoso)

Isso quase três anos atrás, sem o contexto de gravar um disco. No todo, gravei 47 faixas com os caras, porque a gente não tinha um caminho, só a brisa. Então para fechar 2023, eles deram a ideia de soltar um EP, para mostrar que a gente estava trampando, e no ano seguinte, lançar o disco. Soltamos o EP Cenas Mais Rentáveis, composto por faixas que não iam sair no disco, e com o que sobrou, começamos a pensar nele. Nisso, a minha esposa já estava grávida do meu filho, e quando ele nasceu, eu saí da parada e deixei o espaço para os três pensarem no projeto. Quando eu saí de cena, eles começaram a ouvir os meus versos repetidamente e perceberam que eu falava muito sobre perder e ganhar, e construíram o contexto através disso. Eles me deixaram super confortável para ficar no primeiro momento com a minha família, e quando eu voltei, estava tudo muito bem encaminhado. Tudo fazia muito sentido, foi um processo mágico.

Respondendo a pergunta: a minha família me ajuda muito, me apoia muito. É muito gratificante estar com eles, que fizeram parte 100% desse disco — se não fosse minha esposa e meus filhos, não teria rolado.

Para quem é Sorte ou Revés?

Para a rapaziada da periferia, mano. Porque eu sei que vai chegar em geral, mas quem ouvir vai entender que ali tem uma linguagem própria para quem é da quebrada. Independente da qualidade do som, dos beats, as minhas palavras são bem diretas.

A gente está falando de 21 faixas, sem refrão, sem feat, então é muita ideia, muita palavra. Só uma música tem refrão. Eu falo muito com a rapaziada da periferia, sobre não desistir quando cair, sobre não ir pelo atalho mais fácil, sobre sustentar as consequências. Tem faixas como a Papel, que é um storytelling sobre um mano que é da favela e vende droga, e ele se junta com uma mina que tira ele dessa vida, e eles começam a crescer. Mas um dia ele acorda e percebe que não merece essa vida, e volta a fazer tudo errado de novo, até perder tudo e perder a vida.

É sobre isso, sobre jogos. Todo mundo é atingido por jogos no nosso contexto, e acho que o pessoal da periferia sempre sofre mais. O tigrinho, um vício de jogo, sempre vai bater mais lá, tá ligado? A gente vai ver que a maioria dos seguidores da Virgínia são pobres, todo mundo vai entrar na plataforma que ela coloca e foda-se. Então a minha música sempre vai ser voltada para essa rapaziada, para a rapaziada da periferia. 

Bonsai com a sua filha (foto: Teodoro Buendia)

Ouça Sorte ou Revés, obra musical de Bonsai, CIANO, Rudgini e Carcamano, já disponível no Spotify.


ISMO
Cultura em movimento

Assine nossa newsletter e receba
as últimas notícias em 1ª mão!

Assine agora