A insurgência nas artes de Kiko Dinucci

Entre capas de discos, cartazes de shows e gravuras, Kiko constrói uma estética única que costura punk, arte popular e o universo do candomblé

A insurgência nas artes de Kiko Dinucci
Detalhe de "Xangô", serigrafia de Kiko Dinucci

Figura central da música paulista de vanguarda, Kiko Dinucci é muito mais que um guitarrista inventivo e compositor prolífico. Multiartista inquieto, ele já lançou discos solo aclamados, integra projetos como Metá Metá e Passo Torto, além de ter assinado colaborações marcantes com nomes como Elza Soares, Jards Macalé, Tom Zé, Juçara Marçal, Criolo e Marcelo D2, entre muitos outros. Mas há um outro lado de Dinucci que pulsa com a mesma intensidade: sua produção nas artes plásticas e gráficas, que dialoga profundamente com sua música e com a estética do universo que constrói.

Tudo começou ainda na infância, encantado pelos cartazes pintados à mão que tomavam as fachadas dos cinemas do centro de São Paulo nos anos 80. “Eram feitos por um pintor taiwanês chamado Ling Hu Cheng”, lembra. Depois, vieram descobertas marcantes: as ilustrações de Poty Lazzarotto em Capitães de Areia, de Jorge Amado, e, na adolescência, as capas e cartazes criados por Raymond Pettibon para discos do Sonic Youth e de outras bandas da gravadora SST. “Fui muito influenciado também pelas gravuras do Oswaldo Goeld. Atualmente, sou fascinado pela artista alemã Käthe Kollwitz e por Egon Schiele e Francis Bacon”, conta, revelando a amplitude de referências que compõem seu olhar.

Entre suas maiores influências, uma figura ocupa papel essencial: sua irmã, Gina Dinucci, artista plástica e educadora. “A Gina tem papel fundamental na minha vida e na minha vida artística porque eu imitava muito ela. Sou quatro anos mais novo e ela que era minha principal fonte de informação. Foi ela quem chegou em casa com o LP Rocket to Russia do Ramones. Ouvíamos rádio juntos e gravávamos fitas. Eu gostava de tudo que ela gostava”, lembra. Mais do que no desenho, Gina moldou sua maneira de enxergar o mundo: “Ela abriu minha cabeça para descobrir coisas novas.”

A estética de Dinucci revela a fusão entre o punk de Pettibon e a força da arte popular brasileira, como a xilogravura, além do universo simbólico do candomblé — tema recorrente em sua produção musical e gráfica. “Eu adoro o Pettibon. Olhava as capas dos discos do Black Flag e Minutemen e chapava. Tinha influência das revistas em quadrinhos, mas ao mesmo tempo tinha uma coisa super niilista e desesperançosa, tinha sarcasmo e muito veneno também. Eu sempre penso nele quando desenho um cartaz. Ao mesmo tempo, a xilogravura popular me influenciou pela originalidade e técnicas. E o candomblé é um universo estético muito rico e muito explorado por artistas como Carybé e Rubem Valentim, a estética faz parte do cotidiano do terreiro, nos assentamentos, nas roupas, na culinária, nos rituais, na dança, na música. Me influencia em todos os aspectos”.

Essa fusão de referências se manifesta com força nos cartazes que produz para seus próprios shows, algo que virou prática rotineira em sua trajetória. “Tenho muito orgulho deles, já fiz muitos. É rotineiro e funcional, adoro isso. É muito diferente de expor numa galeria. Adoro tipografia, adoro a mistura do desenho com coisas escritas. Nem sempre estou inspirado, mas sempre estou fazendo porque sempre preciso divulgar meus shows”, conta. Essa constância acabou criando uma assinatura estética reconhecível: “Acho maravilhoso que essas coisas se misturem. Atualmente estou fazendo um livro de história em quadrinho sobre cinema. O estilo do traço vai mudando de página a página, mas acho que a essência do estilo permanece.”

Para ele, suas artes plásticas e sua música são indissociáveis. “São grudadas praticamente. Não tem como ser de outro jeito. Acho que foi por isso que me encantei com a obra do Pettibon, porque ele virou um ícone do punk rock desenhando. Tento passar muito da minha postura diante da música pela caneta”, diz. Longe dos circuitos tradicionais de arte e das engrenagens da indústria, Dinucci segue fiel a uma produção independente, tanto nos palcos quanto no papel: “Não faço exposição em galeria porque não faço parte do circuito e nem do sistema do mercado de arte. Mal vendo meus desenhos e gravuras. Me sinto muito fora desse circuito, que me parece extremamente fechado e elitista. Então continuo produzindo à margem. Quem me procura musicalmente é porque sabe que eu sou livre e gosto de fazer coisas esquisitas e bonitas. Nos desenhos, a coisa funciona mais ou menos do mesmo jeito.”

Não importa se com seu violão, guitarra ou empunhando um pincel encharcado em nanquim, a arte de Kiko pode até ser considerada torta ou fora dos padrões de mercado para alguns, mas uma coisa que ela não passa é desapercebida.

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