A história do samba pelas capas de Elifas Andreato
Um legado visual na Música Popular Brasileira

Capas costumam ser um dos nossos primeiros contato com novas obras musicais e fazem parte da mensagem a ser transmitida depois do play. Com as plataformas de streaming dominando o jeito que consumimos música, as capas foram perdendo espaço de visibilidade, principalmente se comparado com outros suportes como o CD e o Vinil, onde artistas podem criar e explorar um universo visual complementar ao proposto pelas músicas do álbum.
Aqui na ISMO já abordamos o tema, e agora decidimos lembrar alguns capistas que marcaram seus nomes na história da música, sem necessariamente tocar instrumentos ou soltar a voz. Para iniciar essa “sessão”, vamos de Elifas Andreato, importante artista gráfico e ilustrador, com um legado absurdo na cultura e na história do país. Sua obra vai do design autoral, cenografia e cartazes de peças de teatro, mas foi como capista que se destacou.





Capas de jornais, revistas e peças de teatro revelavam um lado mais político do artista
Com um trabalho muito politizado, algo mais perceptível em seus trampos com a revista Argumento e os Jornais Opinião e Movimento, foi responsável pelas capas de grandes obras da Música Popular Brasileira, principalmente no samba, gênero ao qual é mais associado. Elifas, que faleceu em 2022, será eternamente lembrado e aqui vamos falar de algumas obras ilustradas pelo artista:

Paulinho da Viola - Nervos de Aço (1973)
Difícil não começar a lista com este álbum, clássico pelo contexto, letras, nomes envolvidos e obviamente, pela capa. Em 1971 e 1972, Paulinho da Viola e Elifas Andreato já haviam trabalhado juntos, mas é com Nervos de Aço que marcam a música brasileira de vez. O disco ginga entre os subgêneros do samba e com composições de mestres como Wilson Batista e Cartola, Paulinho canta crônicas sobre a vida e os amores. O amor, aliás, tem seu lado mais triste representado na capa de Elifas, pelo buquê de flores murchas, o luar e as lagrimas nos olhos de Paulinho. Destaques para Choro Negro, faixa que encerra o álbum, e Não Leve a Mal, uma homenagem à Portela, sua escola de samba do coração.

Martinho da Vila - Canta, Canta, Minha Gente (1974)
Talvez um dos maiores parceiros de Elifas tenha sido Martinho da Vila, sambista que teve mais de 30 capas feitas pelo artista paranaense. Aqui destacamos a faixa título que se você não sabe cantar ao menos o refrão, algo está muito errado, mas dá tempo de corrigir. A capa icônica no estilo tão bem conhecido de Elifas, os retratos hachurados com cores vivas e aquareladas, que se repetem durante sua carreira.

Chico Buarque - Ópera do Malandro (1979)
Inspirado pela Ópera dos Mendigos de John Gay e na Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, em 1978 escreveu a Ópera do Malandro, um texto que se passa nos anos 40 do Rio de Janeiro e discute a malandragem, legalidade, prostituição e outros temas. O álbum, lançado um ano depois, reune um time dos tipos de Sivuca, Nara Leão, Alcione, A Cor do Som, Gal Costa, As Frenéticas e João Nogueira, só pra você sentir o peso. A capa, talvez a que mais destoe do estilo de Elifas, ainda carrega muito do que ele busca apresentar em seus trabalhos: resumir visualmente a obra. Aqui, a fotografia do malandro deitado no trem, era comum nos anos 1940 e ainda pode ser vista, caso você dê um pulo na Central do Brasil.


Vinicius de Moraes - Arca de Noé 1 & 2 (1980 / 1981)
Desta vez, ao invés da trilha para uma ópera, Elifas ilustrou a capa dos álbuns Arca de Noé, que reuniam poemas de Vinicius de Moraes, musicados por uma galera cabulosa. Milton Nascimento, Alceu Valença, Marina Lima e Ney Matogrosso foram alguns dos convidados a interpretar os poemas. Na capa, Elifas brinca com os elementos e formas em uma técnica simples e ao mesmo tempo complexa, sobrepondo cores de forma manual e recortando as peças que poderiam ser coladas e rearranjadas pelas crianças, público alvo do projeto. Muito esmero e manualidade!


Adoniran Barbosa - O Palhaço Triste (1980)
Perto de completar 70 anos, Adoniran Barbosa foi homenageado pela gravadora Odeon com um disco comemorativo e Elifas ficou como responsável pela capa. O artista decidiu fazer um retrato como via Adoniran, um palhaço triste, mas a capa foi recusada pela gravadora e no lugar foi feito um retrato mais comum. Tempos depois, Adoniran entrou em contato com Elifas para dizer que não sabia do desenho original e o preferia, já que também se via daquele jeito. No fim, o retrato caricaturizado ficou marcado na história, mesmo sem ser o oficial.

Clara Nunes - Nação (1982)
Último álbum de Clara Nunes em vida, que veio a falecer no ano seguinte ao lançamento, em Nação a cantora que estava no auge de sua carreira e era conhecida pelos sambas, decidiu se mostrar para além do gênero que a consagrou. Do Ijaxé afro, ao baião nordestino, Nação não tem esse título à toa, e carrega as cores do Brasil. E por falar em cores, a capa explode no contraste entre azul e vermelho, em um retrato de Clara, caminho que, como já sinalizado, se repete na história de Elifas. Baita álbum.

Zeca Pagodinho - Agua da Minha Sede (2000)
Vamos dar um salto temporal para 1º de janeiro de 2000, início do novo milênio e data de lançamento de Água da Minha Sede, baita clássico de Zeca Pagodinho. Além da faixa-título, que direto aparece pelas rodas de samba, “Vacilão” também é destaque e por sua vez ouvimos muito nos karaokês. A capa é simples: um Zeca samba em azul e amarelo, cores tão brasileiras. Feita em lápis de cor, talvez o primeiro material artístico que cai em nossas mãos, mostram que dá pra se fazer muito com pouco.

Criolo - Espiral de Ilusão (2017)
Para fechar a lista, um álbum mais contemporâneo mas que dialoga com os outros já apresentados por aqui, mesmo separado por décadas. Em 2017 Criolo lança Espiral de Ilusão, um disco de samba, terreno que o rapper já tinha explorado antes, mas que só em seu quarto álbum decide pisar de vez. E pra expandir a homenagem além do som, Elifas assina a capa do disco, e coloca todos os elementos característicos de seu trabalho ali: as cores, a figura humana, a expressão corporal e a técnica, similar a vista em Arca de Noé. Tudo pra amarrar com chave de ouro o projeto que Criolo idealizou.