Como a adidas transformou parcerias em capital social
Colaborações que redefiniram o valor entre cultura, criadores e mercado
Em outubro de 2025, Grace Wales Bonner, uma das designers mais importantes da nossa geração, foi anunciada como a nova diretora criativa de menswear da Hermès. Para quem acompanha a cultura sneaker, essa notícia não é coincidência, mas estratégia.
Bonner é uma estilista britânico-jamaicana com um olhar único para a alfaiataria e referências culturais negras, que começou a colaborar com a adidas em 2020. Ela pegou modelos clássicos, como o Samba, e deu a eles um novo significado, ajudando a reconectar o tênis ao público de moda com novas camadas de sentido.
Mas o que a adidas ganha com isso? A marca entendeu que não basta vender tênis, é preciso vender história e autenticidade. Ao apoiar talentos como ela, a adidas se transforma em uma plataforma de lançamento onde narrativas culturais ganham escala global. É assim que se troca o "hype" passageiro por um valor duradouro no mundo da moda, o que chamamos de capital cultural: o reconhecimento e a credibilidade que vêm da associação com a arte e a história.


Wales Bonner colabora com a adidas desde 2020
O arquivo como palco de poder
A estratégia da adidas vai além de reunir nomes conhecidos. O que sustenta suas colaborações é a habilidade de revisitar o próprio arquivo e dar a ele novos significados. Com Wales Bonner, esse diálogo entre passado e presente ganhou força. O Samba, já em evidência em outras linhas da marca, encontrou na parceria um ponto de virada ao se firmar como ícone de moda global.
O mesmo se pode dizer de Yohji Yamamoto, diretor criativo da linha Y-3, desenvolvida em parceria com a adidas desde 2002. Sua leitura minimalista e conceitual transformou o esporte em linguagem de moda. Ele fez mais do que desenhar roupas e tênis, criando uma estética que funde a alta-costura com o desempenho esportivo, pavimentando o caminho para que a adidas fosse vista como mais do que uma marca de performance.
Já Stella McCartney, em parceria contínua também há mais de vinte anos, inseriu a pauta da sustentabilidade de forma orgânica – muito antes do mercado exigir isso como um valor essencial. Esses casos mostram que o sucesso de uma colaboração depende menos da novidade e mais da capacidade de criar continuidade, coerência e um propósito claro.


Y-3 e Stella McCartney: duas parcerias de mais de 20 anos
Quando o criador se torna o centro
O caso Yeezy é o exemplo mais extremo do que acontece quando o criador se torna maior que a colaboração. A parceria entre Kanye West e a adidas gerou receitas estimadas em 2 bilhões de dólares por ano no auge, mas levou a perdas de mais de um bilhão após o rompimento em 2022.
Yeezy era sinônimo de inovação, mas também de dependência. A marca se viu refém do poder criativo e da instabilidade de uma única voz e precisou lembrar de uma coisa importante: colaboração não é fusão. É uma relação de trocas que precisa de limites e planejamento de longo prazo. O risco aqui era perder o controle estratégico, mantendo o valor simbólico sem perder a autonomia.

A cultura popular como motor de expansão
Se as colaborações com Wales Bonner e Y-3 falam de sofisticação e arquivo, as de Pharrell Williams e Bad Bunny traduzem o poder da cultura popular.
Pharrell iniciou sua relação com a adidas em 2014, com uma visão colorida e inclusiva que misturava espiritualidade e design. Hoje, como diretor criativo do menswear da Louis Vuitton, ele simboliza o percurso do colaborador que aprende o sistema de dentro e depois o ocupa.


Pharrell Williams, das cores na adidas às passarelas da Louis Vuitton
Bad Bunny, por outro lado, representa uma nova geografia do desejo. O "cantante" porto-riquenho transformou a estética latina em narrativa global. Seus tênis recontam a história da juventude caribenha sem cair na caricatura, e seu impacto econômico supera 200 milhões de dólares em vendas. Ele mostra como a adidas aprendeu a operar no campo da cultura, não apenas no do esporte. Cada lançamento se torna um episódio de construção simbólica: enquanto vende produtos, a marca ativa comunidades, linguagens e repertórios.


Bad Bunny representa uma nova geografia do desejo
O risco do colapso e o valor do legado
Nem toda colaboração sobrevive à prova do tempo. A linha IVY PARK, de Beyoncé, encerrou-se em 2023 após resultados abaixo do esperado. O projeto pretendia unir performance, empoderamento e moda pop, mas perdeu fôlego diante da concorrência e da dificuldade de manter uma narrativa autêntica dentro da estrutura corporativa. O mesmo pode acontecer com Fear of God Athletics, de Jerry Lorenzo, cuja parceria com a adidas deve se encerrar em 2025, segundo apuração de sites especializados. São exemplos de que nem toda junção de nomes fortes produz valor duradouro. O desafio é sustentar a relevância quando o ciclo de novidade termina.


IVY PARK e Fear of God Athletics: duas colaborações que não resistiram ao tempo
Quando a colaboração vira capital de marca
Entre as colaborações relevantes da adidas está a Human Made. A parceria com a marca de Nigo e Pharrell começou em 2014 e deu origem a coleções que resgatam o espírito retrô e esportivo da marca. Em outubro de 2025, a Human Made teve sua listagem aprovada na Bolsa de Tóquio, com estreia prevista para o final de novembro. A empresa deve captar cerca de 18 milhões de dólares com a oferta pública.
É importante deixar claro que seria exagero dizer que a adidas é responsável direta por esse sucesso. O que existe é uma troca de visibilidade e repertório que beneficia os dois lados, ampliando o alcance cultural e comercial de ambos. A ascensão da Human Made completa o mapa: ao lado de Bonner, Pharrell, Ye, Bad Bunny, forma uma rede de criadores que saem maiores do que entraram. A adidas, nesse contexto, funciona menos como centro de poder e mais como incubadora de trajetórias.


Em novembro, a Human Made estreia da Bolsa de Tóquio
O modelo de futuro
Os dados mais recentes confirmam que a estratégia da adidas funciona também no plano econômico. Em 2024, a marca registrou uma receita de 23,69 bilhões de euros, um crescimento de 11% em relação ao ano anterior, e um lucro operacional de 1,3 bilhão de euros. Parte desse resultado se explica pela força das colaborações, que ajudaram a reverter prejuízos de anos anteriores.
Mas o impacto real não para nos números. O modelo de colaboração da adidas reflete uma mudança estrutural na moda e no esporte: o reconhecimento de que o valor simbólico (cultura, autenticidade, história) tem peso econômico. Cada parceria é um experimento de poder compartilhado, onde a marca oferece escala e o colaborador oferece significado. O que aprendemos ao observar essas parcerias é que colaborar é também disputar narrativas. A adidas entende que sua força está em ser plataforma, não protagonista. Quando uma criadora como Grace Wales Bonner assume a Hermès, o que se vê é a circulação do poder. A cultura deixa de ser acessório e passa a ser motor da economia.
O futuro das colaborações talvez dependa menos de grandes nomes e mais da capacidade de criar relações sustentáveis, transparentes e culturalmente relevantes.